Tudo começou com a repercussão do filme “O Agente Secreto”. Muitos bons comentários, muitos prêmios. Quando entrou em cartaz no Rio de Janeiro logo nos animamos.
Tenho dois irmãos, um mais velho e um mais novo. Na sexta da semana anterior eles foram juntos assistir ao filme. Encontrei-os no sábado e logo perguntei: - como foi o filme gostaram? As respostas foram evasivas e mudaram de assunto. Estranhei mas não insisti, pensei que talvez o filme não fosse tão bom assim ou era confuso e eles não entenderam. Entretanto eu estava disposta a ver para tirar minhas próprias conclusões.
No domingo (16/11/2025) fui com minhas três primas e amigas de alegrias, infortúnios e lutas. Nada comentei sobre meu “pé atrás” com o filme. Chegamos cedo no Imperátor (no Meier), tomamos um café com pão de queijo e entramos na sala de projeção.
O filme não dá fôlego para raciocinar. Do começo ao fim é só emoção. Não emoção de filme americano de super herói. É emoção de ar, de alma.
Quando terminou nós ficamos sentadas caladas, diferentemente do filme “Ainda Estou Aqui” que mal terminou começamos a relembrar os fatos que vivenciamos relacionados a este. Agora não, foi lá no fundo e a alma não fala sente. Saímos caladas e procurando um “pipi”. Depois do alívio no banheiro, já na grande antessala do Imperator consegui falar alguma coisa e minhas primas concordaram (acho).
Aí vou contar pra você porque só quem viveu o que vivemos viu esse filme como vimos. Nós assistimos outro filme, aquele que está preso aqui dentro.
Desde criança e adolescência convivíamos com pessoas ativistas de esquerda, dirigentes do PCB e tantos outros na época “ilegais”. Meu pai trabalhava na imprensa no jornal Voz Operária, jornal de esquerda proibido. Minha mãe e minhas outras duas tias davam abrigo aos que eram procurados. E nós nesse meio vivíamos sob tensão.
Todas aquelas pessoas tinham codinomes ou nenhum nome (todos eram tios e tias). Tratavam-nos com carinho, mas sempre preocupados e tristes. Nada sabíamos deles. Todo tempo minha mãe dizia: “quanto menos vocês souberem melhor, quem é preso e torturado acaba falando. Se não sabe não fala”. Vivíamos sob aquele terror. Não podíamos participar de manifestações, não podíamos ter amigos fora da família, pois podiam desconfiar. O medo não era da tortura, na nossa idade ainda não entendíamos a dimensão disso. O medo era entregar alguém e ser responsável pela quebra da estrutura.
Não vou contar, mas o final do filme foi muito emocionante. Esquecer para esconder o sofrimento.
Foram quase três horas de filme que transbordou os mais de 20 anos presos aqui. Só agora consigo chorar. Foi um agente secreto no meu coração.
Acho que, como diz a minha filha, preciso de um psicólogo.