segunda-feira, 31 de maio de 2010

NO TREM

NO TREM

Corre, desce a escadaria e esbaforido entra no trem que já o esperava na estação. Senta e abre o jornal que trazia embaixo do braço. Todos os dia, há muitos anos, era a mesma coisa. Saía de casa às seis da manhã, comprava o jornal na banca da esquina e rumava para a estação. Nunca o lia com profundidade no trem. Passava os olhos saboreando as manchetes antevendo o prazer de embeber-se no conteúdo quando chegasse ao escritório.
 
Sua visão é atraída para aquela foto do povo andando pela linha do trem. Seu primeiro ímpeto foi olhar a data do jornal e confirmar o dia de hoje. Ela remete-o a outro momento. Foi como se abrindo aquela página o tempo tivesse retornado. Não! Como se não tivesse passado, porque é tão forte e nítida a lembrança que apaga todas as posteriores.

Naquele dia, quando entrou no trem,uma mulher correndo empurrou-o e sentou-se no banco ao lado da porta, que naquela época da Rede Ferroviária Federal, estava sempre aberta.

Sentou-se no lugar de sempre. Por acaso em frente a ela. Abriu o jornal, mas não resistiu àquele olhar. Havia uma espécie de magnetismo que o atraia. Várias vezes disfarçou e observou-a. Não era bonita nem feia, não era jovem nem velha. Mas tinha uns olhos cor de mel brilhantes, que contrastavam com a blusa branca amarelada que usava. Enquanto observava seu pensamente voava de forma atabalhoada:

- Será que vai pro trabalho? Trabalha em que? Será que tem filhos? Nem sei se é casada. Porque está com tanta pressa?

Ela parecia tranqüila. Ao baixar os olhos deparou-se com as aquelas mãos entrelaçadas. As veias saltadas denunciavam a tensão que o resto do corpo escondia.

Sentiu cheiro de fumaça. O trem ia em alta velocidade. Aquele era o vinte e três que ia de Cascadura ao Engenho de Dentro sem parar e por isso acelerava no longo espaço entre as duas estações. Escutou longe alguém dizer:

- O vagão está pegando fogo!

A mulher, lentamente, levantou-se, aproximou-se da porta e, antes que ele ou qualquer outra pessoa pudesse sequer levantar a mão, atirou-se. Ficou atônito, sem ação. Ouve uma voz longe:

- Puxaram o freio de emergência, já está parando vamos descer na linha. Mas era como se pesasse uma tonelada, não conseguia movimentar-se.

-Vamos descer as labaredas já estão entrando no trem!

Ele não se moveu.

Alguém pegou-o pela mão e ajudou-o a descer.

No chão arrastava-se. Era o último de uma multidão que caminhava pelos trilhos em direção a estação mais próxima.

De costa lá na frente viu uma blusa branca amarelada como a dela, pensou em correr para alcançá-la, mas ouviu um comentário:

-Coitada a pobre se apavorou e morreu.
 
MABEL IDE maio de 2010



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